Formigueiro humano

A Companhia Vão de Teatro estreia hoje, o seu segundo espetáculo, "FOI - uma peça aos pedaços". A história terá como palco a cobertura da Torre Quixadá




Perdas e ganhos, vitórias e derrotas, encontros e desencontros, partidas e chegadas, amores e desilusões, dores e alegrias, lágrimas e gargalhadas. A vida: caldeirão fervilhante, cheinho de dualidades, caminhos e decisões a serem vividos. Nela, somos personagens de uma grande história cortada em milhares e milhares de pedaços. Todos submergidos e guiados por ações transitórias que se chegam e se vão, convergindo num eterno "FOI". Assim, a existência, um todo complexo. "Encarniça-se sobre o momento, come-lhe o fogo, e o fogo doce arde, arde, flameja", como escreveu Clarice Lispector.

EspetáculoDessa dinâmica revigorante do viver, que o ator, autor e, agora, diretor, Rafael Martins se vale para compor o enredo de "FOI - uma peça aos pedaços". Com a "sensibilidade daqueles que despertam para um grande sonho, e sobre ele lança toda a força de sua alma" (parafraseando o filósofo alemão Goethe), Martins expõe o homem como um ser delicado e inconstante, desorganizando-se por dentro, atrapalhando-se com os próprios sentimentos, tentando se adequar à estrutura concreta e objetiva da vida social.

Convivendo, "pirando", buscando ser aceito, sofrendo e se desapegando. Simplesmente, permitindo-se viver!

O espetáculo, que estreia hoje, às 20 horas, na cobertura da Torre Quixadá, encontra-se dividido em quatro momentos distintos, nos quais o ator Jadeilson Feitosa transita por personagens diferentes, sempre envolvidos em situações de rompimento. No primeiro momento, deparamo-nos com uma mulher presa a uma rotina metódica, tentando manter a compostura enquanto se divide entre as obrigações de família e emprego.

No segundo: um ator rabugento, tentando dar conta sozinho de uma cena sobre pessoas difíceis, escrita para dois personagens. O terceiro temos um rapaz conversando com o ex-namorado, buscando reconquistar a intimidade, propondo um diálogo saudável e livre de rancores. No último, o público se depara com um homem caminhando pelo passado, reavaliando as histórias engraçadas que viveu.

Esse é o segundo espetáculo da Companhia Vão de Teatro, que estreou com "En Passant", em 2007. A peça reafirma a opção autoral do grupo. "A temporada acontecerá na cobertura da Torre Quixadá, um dos pontos mais elevados de Fortaleza, de onde se pode observar em 360 graus a movimentação da cidade", explica o diretor. Em seguida, complementa: "A palavra escolhida como título da peça remete ao passado do verbo ´ir´ e também do verbo ´ser´. O que já não está mais onde esteve um dia. O que já não é mais aquilo de antes. Ou, simplesmente, como diz a expressão popular: foi... Queremos suspender o público ao emergir a própria vida".

ANA CECÍLIA SOARES REPÓRTER




Torre Quixadá recebe grupo cearense


Primeiro estava passando, em um ato contínuo. Agora já se foi. E foi, no caso, remete não somente a não estar mais, mas também ao que já não é. As relações transitórias, os sentimentos que se vão, as rotinas que nos suprimem. Esse é o cerne da segunda peça – a primeira foi En Passant – da Companhia Vão de Teatro: Foi – Uma Peça em Pedaços.

Tanto uma como a outra dão conta do mesmo aspecto de efemeridade da vida. E a de agora, que estreia hoje, 1º, e segue durante todas as quartas e quintas do mês de junho, é dividida em cenas em que um único ator, Jadeilson Feitosa, interpreta quatro histórias em monólogo.

O primeiro pedaço trata de uma mulher que vive uma rotina organizada entre marido, filhos, emprego e que em um momento ela se perde. “Ela levava a vida no piloto automático e ele começa a falhar”, diz Rafael Martins, que assina o texto e a direção da montagem. Na segunda parte, um ator sozinho tenta interpretar uma cena que deveria ser um diálogo. A terceira cena trás um rapaz em vias de se encontrar com o ex-namorado e tentar uma reaproximação amigável. E na última, um personagem rememora fatos engraçados da própria vida. “São quatro histórias diferentes e que são propositadamente descosturadas, mas o que as une é que em todas os personagens vão ter de desatar de algo, de alguém, e ou de si mesmo”, explica.

Os fragmentos das vidas dos quatro personagens são contados de forma bem delimitada. Para cada cena, um novo espaço cênico e a plateia se move até ele. É aí que entra uma das experimentações do grupo, que distante do palco de um teatro, procura fazer do cenário elemento da trama. O espetáculo se desenrola na Torre Quixadá. De lá de cima se tem uma visão de 360 graus de toda a cidade e é ela, com seus sons, luzes e rotinas, que serve de cenografia para a montagem. “A peça fala de gente se encontrando e se perdendo, de rotinas enlouquecidas, de mudança. Por isso, a cada cena o público muda de posição em busca de um outro pedaço. Tirar o espectador dessa rotina, e ao mesmo tempo dar a ele essa visão como a de alguém que está em um avião vendo uma cidade de brinquedo que não lhe diz respeito, o faz ‘desanestesiar’ o olhar”, teoriza.

Por ser na torre, o público máximo por cada apresentação é de 30 pessoas, o que, segundo Rafael, dá ainda uma atmosfera mais intimista. “Apesar de ser bem mais leve e engraçada do que a En Passant, a Foi olha pra vida e fala pra dentro e a gente optou por coisas que fossem bem de pertinho”, diz.

Com cenário de Raíssa Starepravo e figurino de Diogo Costa, Foi é primeira peça em que Rafael assina a direção. Habituado a atuar e escrever, Rafael acredita que dirigir é “o vinculo” entre as outras duas atividades. Formada por pessoas provenientes de outros grupos de teatro, a Vão ressalta outro aspecto durante a construção dessa segunda peça. “Tudo foi feito de forma colaborativa e Foi é a criação de uma cara que a nem a gente sabia direito qual era, mas que começa a se consolidar”, diz